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'desexistência'



"agora era fatal que o faz-de-conta terminasse assim"
joão e maria - chico buarque


o reencontro foi na idade do não, trinta e tantos anos após um tempo em que, talvez, pudessem ter existido. quem sabe, sim, com grande chance.

mas não, e agora eles não irão juntos ao show da vida real. não, as viagens de férias não serão no mesmo resort, mas eles têm alguma sorte: por enquanto podem trocar ideias e fotografias das paisagens [em que jamais foram vistos juntos]. não, nos natais não estarão entre os presentes. não irão de mãos dadas comprar pão, não trocarão olhares a céu aberto. não, nenhum evento, por menor que seja, aguarda a presença de ambos. juntos. nem mesmo na apoteose do que foi vivido, terão direito ao luto. não. ao menos em público. 

como na infância, o não lhes apontando o dedo e moldando o ego. o não em mímica, o não da fala, palavra repetitiva. eco.  aprendemos cedo que significa o que priva, nega, proíbe, impede, impossibilita. bloqueia. o não que fecha portas. que vence as melhores partidas. que fixa uma ponte entre o poder e a poda. o não é "flórida" (freud explica eu não ter escrito foda com todas as letras)! o não limita as investidas. delimita o gesto. tolhe as escolhas. filtra. não deixa que a liberdade escoe. não é não. e acabou. não tem saída. 

e, sim, eles sabiam. havia urgência no pertencimento. havia o [am]ar rarefeito enchendo o peito de uma alegria que era idêntica a de antes, a da idade [da ilusão] do para sempre . e, sim, conheciam sua sina. 

passaram dias preenchendo as lacunas do que não viveram. deram um rosto para cada época. atribuíram falas ao silêncio impetrado pelo tempo. coloriram o branco cenário da sala das ausências em que se [des]espera por alguém. chamaram de amor o brilho que brotou nos olhos e renovou os sonhos. filmaram os primeiros passos do filho que jamais puderam. superaram o frio, o gelo, o deserto.  construíram um teto no topo de seu mundo imaginário. um bangalô de afeto. avarandado por fora, arejado dentro. riram muito, de tudo, por nada. eram a melhor companhia um do outro. um no outro. unidos. únicos. formaram um par. um para um.

sim, eles sempre souberam dos obstáculos. podiam ver o não com seus tentáculos, jogando a felicidade para o alto. então, não fizeram planos.  seguiram, absorvendo toda gota, cada partícula, o mínimo motivo de sim, existirem. e eles eram. eles foram. eles ousaram. amaram-se, sim, muito. a todo momento daquela existência. por um tempo estiveram juntos no mesmo reflexo do espelho. 

até que - fatalmente - não.


valéria tarelho
"e pela minha lei a gente era obrigado a ser feliz"

*imagem via tumblr

Comentários

Anônimo disse…
YES... (or no?)

;)



vVv
Anônimo disse…
um dia a ilusão mandou flores, mas já era tarde e todos dormiam
valéria tarelho disse…
Fosse uma coroa de flores, chegaria a tempo :)