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Pela fresta

Lá fora, o mesmo céu de outono. Idêntico ao de ontem, nas cores, nos intentos. Chovem cúmulos e cismas. Sangram feridas, fadigas suturam. Secam. Coçam por toda uma vida.
Um sol submisso curva-se, rendendo-se ao inverno novo em folha. Ensaia o vento sua nova trilha, que oscila: vaia e assobia (depende de quem rege a filarmônica do dia).
Dentro, um cão ressona. Baba, bêbado de sonho (e pança cheia). Uma chaleira desafina no fogão, contrastando com a ária da primeira passarada. Na casa inteira reina o aroma de broa. O pão caseiro sovado em companhia do primeiro vazio da estação (outros virão a calar).
Há uma véspera do que não convém. Existe uma estreia que não convence.
Mas o inverno, vestindo seu surrado suéter, comparece, acobertando a névoa das urgências. Que não se dispersa.

é o que há
para agora
:
pão fresco
poema vencido
e chá

de espera


valéria tarelho
inverno 2015

Comentários

AiA disse…
Este me lembrou um inverno próprio. Belíssimas composições!
valéria tarelho disse…
Grata, querida!