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cúmulo-nimbo


e.e. cummings (1894-1962)

e é com
cummings
que eu comungo

e é comum
cummings
[nu
vem]
nalgum lugar
comigo


valéria tarelho

Falecido aos 67 anos de idade, e. e. cummings pertence à estirpe dos inventores da poesia moderna, ao rol daqueles poucos que realmente transformaram a linguagem poética de nosso tempo, em sintonia com o prospecto de uma civilização cujos crescentes progressos científicos vão abolindo vertiginosamente as fronteira entre a realidade e a ficção.
Abominado por críticos e poetas conservadores, cummings mereceu, em contrapartida, a admiração de escritores do porte de Marianne Moore, William Carlos William, John dos Passos e Ezra Pound.

(comentários de Haroldo de Campos publicadono livro "poem(a)s" Editora Francisco Alves - 1998)

somewhere i have never travelled, gladly beyond
any experience,your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which i cannot touch because they are too near

your slightest look will easily unclose me
though i have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skilfully,mysteriously)her first rose

or if your wish be to close me, i and
my life will shut very beautifully ,suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;

nothing which we are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility:whose texture
compels me with the color of its countries,
rendering death and forever with each breathing

(i do not know what it is about you that closes
and opens;only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody,not even the rain,has such small hands

e.e.cummings

nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência,teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto

teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente,misteriosamente)a sua primeira rosa

ou se quiseres me ver fechado,eu e
minha vida nos fecharemos belamente,de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;

nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade:cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira

(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre;só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva,tem mãos tão pequenas

( tradução: Augusto de Campos )

Comentários

Ricardo Mainieri disse…
Val :

Cummings é poderoso na desconstrução da linguagem.
O poeta Goulart Gomes, criador do poetrix, achou meu primeiro livro com algumas características dele.
Muita gentileza do Goulart, mas estou quilômetros atrás deste pole-position da Literatura...


Beijão.

Ricardo Mainieri

Cummings
como um
poeta.

Bisturí se
para fonemas
anêmicas imagens.

Gens de tudo...
valéria tarelho disse…
muito bom!

e por falar em desconstrução, de um look na tradução do poema loneliness, abaixo...vale até publicar o texto explicativo:

so

(um
so

l

so
me)

l

i


o

e.e.cummings
trad. Rubens Figueiredo


Comentário Indevido
Rubens Figueiredo

Todo mundo sabe. Não tem modo melhor de tirar a graça de uma piada que explicar a piada. Alguns poemas são como piadas. Um achado, uma engenhosa combinação de peças a elementos, um mecanismo que produz graça e significado. Todo mundo sabe, mas tem gente que gosta. Se você não gosta, ótimo, conte comigo e vamos juntos virar pra próxima página da revista. Mas se você gosta, está certo, vamos fazer essa caridade. Mas não se irrite se eu não parecer tão científico ou solene quanto você talvez gostaria. Tem gente que não gosta.
Tradução tem dois tipos, a literal e a outra. Todo mundo sabe. No caso desse loneliness, a literal seria a que é rigorosamente fiel não só ao sentido das palavras, mas também à configuração gráfica do texto. Quer dizer, repetir o mesmo número de letras por verso, o mesmo número de versos e estrofes.
Por duas razões. Primeiro, a configuração visual do poema, a extensão dos versos variando um pouco, imita os movimentos de uma folha caindo (a leaf falls), até pousar no chão, no último verso, o mais longo. Segundo, porque os cortes nos versos me parecem deliberados para ressaltar elementos associados à noção de solidão (o numeral one, o artigo singular a, a letra 1 idêntica ao algarismo um). Isso tudo, todo mundo sabe.
Então eu cheguei a resolvi que, em português, nenhuma folha ia cair, mas um sol ia sumir. Razões, razões, pra tudo há razões, no final. Eu também tenho as minhas, e se elas não valem muito, não me importo. Não são para vender. Primeiro, obviamente, o pôr do sol é uma imagem que corresponde a uma representação universal da melancolia, o final de alguma coisa, a morte talvez. Assim como a folha que cai, o outono a tudo isso. As duas são igualmente lugares comuns universais. Além disso, são também equivalentes na idéia de um movimento descendente, que o plano visual do poema sugere.
Segundo, olhe bem o rendimento das peças da curta frase: um (artigo indefinido singular, lembra unidade, isolamento), sol (desmembrado em so e l, ou seja, só e o algarismo 1), some (decomposto em so, de novo só, e me, pronome de 14 pessoa do singular, reforçando a idéia de concentração no eu, e a idéia de solidão).
Mmm. Isso tá cheirando a tapeação, não é? Você não viu nada. Também a palavra solidão repete nas primeiras três letras a palavra sol, e termina num redondo e fraudulento o, imagem a ícone do próprio sol, que pode, assim, perfeitamente ficar sozinho no último verso, coitado, igual ao próprio sol, quase se pondo no horizonte. Sumindo. Feito eu. Adeus.

in revista 34Letras nº 5/6, 1989, p. 318 - 321

agora o poema original:

l(a

le
af
fa

ll

s)
one
l

iness


~> eu simplesmente deliro diante dessas sutilezas ;)