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Sobrevivemos, sem um arranhão

Atentados e atropelos à parte, o "suicídio coletivo" aconteceu. Quem compareceu pode testemunhar em nossa defesa - ou acusação. Só não vale ficar indiferente a dez mulheres sangrando desespero por todos os poros. Dez mulheres saltando do topo de textos densos, mesmo quando irônicos. Dez suicidas despidas de preconceitos - e despindo o pré-conceito que permeia a literatura feminina. Sim, ele existe. Ainda. E se veste de um (ul)traje qualquer. Por isso, as suicidas. E também as suicidas, para rir de tudo isso.

Nossa garra, rasgando essa veste démodé - guerra dos sexos é uma roupa pra lá de fora de moda. E suja . Mas algumas pessoas a usam, disfarçando o ranço ou com o tema batido despudoradamente à mostra. Frederico Barbosa é testemunha ocular desse crime. E logo na abertura do evento, o condena.

Quarta-feira saímos do site de apenas letras impressas. Deixamos nossas cidades, casas e Internet. Fomos dar a cara a tapa. E antes que pensem que além de suicidas, somos escritoras masoquistas, declaro: temos coragem. Falo por mim, mas creio que as demais assinam embaixo. Coragem de dar o recado, doa a quem doer. E danem-se os insensíveis!

Saímos da tela para o telão que mostrava slides das autoras presentes e, também, as representadas (uma pena não estarmos todas unidas, mas teremos outras oportunidades - morte lenta, mais prazerosa que a súbita).

Saímos do nosso próprio anonimato e pudemos trocar palavras, abraços, beijinhos, olhares. Ouvir a voz que soa o que os dedos suam, todos - suicidas ou não - puderam. O público, como meros estudantes em uma sala de aula, estudava gestos de quem estava ao microfone para, igualmente, aprender. Vi, na platéia, alguns mestres das palavras. Os nomes, fotos e outros detalhes, deixo por conta de Mariza Lourenço, presente em espírito. Aliás, toda suicida esteve presente. Se não fisicamente, na tentativa bem sucedida de morte ao estereótipo.

Envenenando o que poderia ser clichê, asfixiando um eventual texto prolixo, mostrando de que matéria são feitas nossas vísceras: foi assim que cometemos suicídio ao vivo. Pela primeira vez, publicamente: em plena Casa das Rosas, nessa São Paulo que literalmente sangrava em outros pontos (de A a Z, uma zona).

No site, nossa morte é tema, que sangra todos os meses. Coisa de mulher (ou não), como menstruação.

valéria tarelho
** aos amigos presentes: Rogério Santos e Ronald Chira ~> um "xêro"

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